domingo, 10 de junho de 2018
Está tudo bem, de verdade.
É natural que muitas perguntas lhes venham e jamais haverá qualquer resposta que seja confortante. Não se perguntem "por quê eu não conversei sobre esse assunto?", pois eu jamais explicaria. Não há explicação quando não se sabe ao certo o que está acontecendo. Talvez nem conhecimento sobre isso vocês tinham. Como podem conversar sobre algo que não fazem a menor ideia do que seja? Como podem ouvir minhas lamentações se eu tinha absoluta convicção de que vocês não me entenderiam? Então relaxem, não há culpa de ninguém além da minha própria. Também não fiquem procurando tempos pregressos e dizendo "nossa, ele deu tantos sinais!", pois já é tarde, já é passado... já acabou. Agora são sinais; antes eram somente expressões sem sentido, vitimistas ou de alguém fraco, só querendo chamar a atenção; não importa mais qualquer julgamento que tenham feito.
Também não importa o que me levou a fazer isso, afinal de contas, é só uma estatística, é só mais um no meio de milhões de silenciosos prestes a fazer a mesma coisa. Os números são importantes e as pessoas já perderam qualquer valor há muito tempo, pode acreditar. Hoje em dia tudo se resolve se as metas forem batidas, mesmo que as pessoas estejam em seus últimos leitos. As metas importam, portanto é para elas que as preocupações e discussões devem ser voltadas.
Não fiquem olhando pra mim com esses olhos, pois não posso mais abrir os meus. Peguem tudo o que eu tinha. Tudo e qualquer coisa que lembrava algo a meu respeito, sem a mínima exceção. Coloquem tudo junto no mesmo lugar e vejam o fogo tomar conta. Assistam até não restar mais nenhuma parte que se identifique. Façam o mesmo comigo e aqueçam pela última vez esse cara frio. Vejam até o final das chamas e percebam, finalmente, o valor que as cinzas têm.
Paulo Spachi
domingo, 13 de maio de 2018
O que sente na depressão? Nada é a melhor resposta.
O foda da depressão é que ela não te mata rápido, de uma vez, sem dor, sem saber de onde veio o tiro. A depressão vai te sugando aos poucos, te esvaziando a conta-gotas. É como um minúsculo furo no peito, ao espremer uma espinha, onde o sangue nunca para de sair. Você observa o furo, vê o sangue como lágrimas escorrendo pelo peito. E você vai secando lentamente, quase sem perceber, sendo otimista o tempo todo e dizendo para si mesmo: “vai parar”. Você coloca uma camisa que aos poucos fica ensopada, incômoda. As camisas são trocadas, dias após dias, até que tudo passa a ter a mesma cor, vermelho. Os dias são sempre os mesmos, tornam-se pesados e sem vida. Lentamente, o vermelho vai perdendo a cor e tudo o que tinha alguma coloração simplesmente fica cinza. Aquela velha frase “Quando o dia amanhecer cinzento, levante-se com lápis de cores”, simplesmente não funciona para quem tem depressão. Todos os lápis são tão cinzas quanto os dias, tão cinzas que você simplesmente deseja antecipar sua medíocre existência em cinzas. A vida se torna confusa, sem planejamentos, sem perspectivas, sem novidades, sem alegria, sem ninguém que possa te ver atrás de um vidro transparente. Nesse estágio você logo percebe que o sangramento não vai parar; nem quer que pare. O desejo é de que o furo aumente, que o sangue logo jorre e que isso tudo termine de uma vez. É aí que o furo se fecha um pouco, diminui o sangramento e a distância entre você e as cinzas. Logo você nota que já está morto, que as feridas não fazem qualquer diferença. Você simplesmente se transforma em um programa que realiza todas as atividades do dia totalmente mecanizado, usando nenhuma vontade e a pouca energia que te resta. O dia passa e sequer se lembra do que disse há nove minutos, do que fez em onze. A existência se torna mera formalidade e você se torna refém desse programa, refém de você mesmo, refém do que esperam de você, refém do que você esperava de você, refém do que você descobriu que realmente é: uma dúvida constante, se vale ou não a pena continuar. Alguns decidem que sim. Outros, infelizmente, que não; que não querem mais ser reféns e se libertam; antecipam suas cinzas.